Imagine um cenário em que animais com dor crônica, epilepsia ou ansiedade possam ter acesso a um tratamento inovador e seguro, sem efeitos colaterais severos e com respaldo científico… Esse futuro já começou! A regulamentação do uso de canabinoides na Medicina Veterinária no Brasil representa um marco histórico e um divisor de águas para profissionais da área e para os responsáveis por animais.
Após intensa articulação do Conselho Federal de Medicina Veterinária, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicou no dia 5 de novembro de 2024, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 936/2024, oficializando a prescrição de produtos canabinoides por médicos-veterinários para animais de forma regulamentada. A decisão abre portas para pesquisas, amplia as opções terapêuticas e garante que tratamentos antes restritos sejam feitos com mais qualidade e segurança.
“A regulamentação do uso de canabinoides na Medicina Veterinária representa um avanço para a profissão e para o cuidado com os animais. Essa conquista é fruto de um trabalho técnico, responsável e colaborativo, liderado pelo CFMV, que reuniu entidades reguladoras e profissionais comprometidos com a ciência e com a ética. Foi um processo de escuta, articulação e construção, que fortaleceu a atuação médica-veterinária e ofereceu novas possibilidades terapêuticas para casos complexos e muitas vezes sem alternativas eficazes”, avaliou Ana Elisa Almeida, presidente do CFMV.
Linha do Tempo da Atuação do CFMV
Segundo o médico-veterinário Mateus Lange, que integrou o Grupo de Trabalho de Cannabis, do CFMV, a construção dessa conquista envolveu uma série de articulações técnicas e institucionais, coordenadas pela autarquia. “A construção técnica que fizemos dentro do Conselho, em diálogo com a Anvisa, mostra como a articulação institucional pode gerar avanços concretos para os profissionais e para a saúde dos animais. O CFMV está sempre atento às práticas que podem trazer melhorias à profissão”.
A seguir, um resumo das principais ações:
Impactos da regulamentação. O que muda?
De acordo com Caroline Campagnone, médica-veterinária integrante do Grupo de Trabalho do CFMV sobre substâncias canabinoides, além de fortalecer a Medicina Veterinária, amplia as possibilidades terapêuticas para tratar diversas condições clínicas em animais.
“Com a regulamentação, médicos-veterinários poderão ter mais segurança jurídica para prescrever canabinoides, respaldados pela legislação e pela ciência. No curto prazo, essa mudança facilita o acesso a terapias inovadoras, especialmente para animais que não respondem bem aos tratamentos convencionais. Além disso, a liberação do uso abre caminho para a comercialização de produtos canabinoides com controle de qualidade e registro no Mapa, garantindo mais segurança e eficácia nas prescrições”.
Campagnone ressalta que, em longo prazo, a conquista representa um avanço na pesquisa científica. “Possibilitando o desenvolvimento de novos protocolos terapêuticos e consolidando ainda mais as evidências sobre os benefícios dos canabinoides na Medicina Veterinária. O impacto também poderá se estender ao mercado, criando oportunidades para profissionais da área e pavimentando o caminho para o reconhecimento da endocanabinologia como uma especialidade médico-veterinária”, projeta a médica-veterinária.
A profissional destaca, ainda, que a medida sacramentada pela Anvisa traz outras oportunidades, inclusive para o cenário da pesquisa científica no Brasil. “Essa decisão não apenas transforma a forma como tratamos os animais hoje, mas também molda o futuro da Medicina Veterinária, abrindo portas para inovações e proporcionando mais qualidade de vida aos pacientes. Antes da regulamentação, tínhamos um cenário de muitas dificuldades para desenvolver pesquisas, especialmente pela falta de diretrizes claras e limitações burocráticas. Agora, será possível ampliar o conhecimento científico e consolidar a endocanabinologia como uma especialidade médico-veterinária”, explica.
Quais doenças podem ser tratadas?
Caroline Campagnone também ressaltou as principais indicações para o uso de canabinoides na Medicina Veterinária, direcionando seu potencial terapêutico em diversas condições clínicas.
Entre as principais aplicações, destacam-se:
- Dor crônica e inflamação – O uso de canabinoides pode reduzir a necessidade de anti-inflamatórios e analgésicos, minimizando riscos gastrointestinais e hepáticos. Além disso, contribui para a melhora da mobilidade e da qualidade de vida dos animais;
- Convulsões e epilepsia refratária – Estudos indicam que os fitocanabinoides podem diminuir a frequência e a intensidade das crises epilépticas, especialmente em casos resistentes aos tratamentos convencionais;
- Ansiedade e distúrbios comportamentais – Animais com ansiedade de separação, fobia de ruídos (como fogos de artifício e trovões) ou comportamento agressivo podem apresentar uma resposta mais equilibrada ao estresse, facilitando o manejo comportamental;
- Náuseas, vômitos e estímulo do apetite – Os canabinoides são particularmente benéficos para pacientes oncológicos em quimioterapia e animais com doenças gastrointestinais crônicas, reduzindo desconfortos e favorecendo a aceitação alimentar;
- Doenças neurodegenerativas – O uso de canabinoides pode ajudar a preservar funções cognitivas e retardar a progressão de doenças como a síndrome da disfunção cognitiva canina, promovendo maior interação social e bem-estar;
- Apoio paliativo e qualidade de vida – Em quadros terminais, os canabinoides auxiliam no controle da dor, estimulam o apetite e reduzem inflamações, proporcionando um fim de vida mais confortável e digno.
Novas fronteiras terapêuticas
Além das condições já estudadas, a regulamentação abre caminho para explorar novas aplicações da Cannabis na Medicina Veterinária. A tendência é que, com mais pesquisas, novas indicações terapêuticas sejam descobertas, ampliando as possibilidades de tratamento.
Exemplos Práticos do Uso dos Canabinoides na Medicina Veterinária
A aplicação dos canabinoides na Medicina Veterinária já apresenta resultados expressivos. Por exemplo, em casos de cães diagnosticados com osteoartrite grave, que demonstraram uma melhora significativa na mobilidade e redução da dor ao longo do tratamento com fitocanabinoides. Como resultado, isso permitiu a diminuição da dependência de anti-inflamatórios tradicionais, que frequentemente causam efeitos adversos como lesões gástricas e hepáticas.
“Tenho acompanhado casos de cães que antes mal conseguiam se levantar e que, após a introdução do tratamento com canabinoides, voltaram a caminhar e interagir com seus responsáveis A qualidade de vida desses animais melhora de maneira visível”, compartilha Campagnone.
Outro exemplo relevante é a atuação dos canabinoides no suporte a pacientes oncológicos. Muitos animais submetidos à quimioterapia sofrem com náuseas, perda de apetite e dor crônica. A introdução de fitocanabinoides auxilia no controle desses sintomas, tornando o tratamento mais suportável e aumentando a sobrevida dos pacientes.
“É impressionante ver a mudança no comportamento de animais ansiosos. Com a administração correta dos canabinoides, eles se tornam mais calmos e receptivos, sem perder sua vivacidade natural”, afirma Campagnone.
Desafios ainda presentes
Mesmo com a regulamentação, alguns desafios ainda precisam ser superados para que a Cannabis medicinal se consolide na Medicina Veterinária:
- Necessidade de mais pesquisas científicas para avaliar doses e formulações ideais para cada espécie animal;
- Resistência dentro da classe veterinária, uma vez que muitos profissionais ainda desconhecem os mecanismos de ação dos canabinoides;
- Acessibilidade aos produtos, pois a fabricação e a importação desses medicamentos ainda são limitadas.
“A educação continuada será fundamental para que os médicos-veterinários possam aplicar esse conhecimento na prática clínica de forma segura e responsável”, ressalta Campagnone.
Formação profissional e capacitação em endocanabinologia
O Sistema Endocanabinoide (SEC) é um sistema biológico fundamental presente nos animais, responsável por regular diversas funções fisiológicas. Ele atua na manutenção da homeostase do organismo, influenciando aspectos como dor, humor, memória e resposta imunológica.
Apesar da importância do sistema endocanabinoide e dos fitocanabinoides, essa temática ainda é negligenciada na formação dos profissionais de Medicina Veterinária. A falta de ênfase no SEC durante a educação formal pode resultar em lacunas de conhecimento que limitam os médicos-veterinários de integrar essas informações em suas práticas clínicas.
“Infelizmente, ainda há um déficit na formação acadêmica dos médicos-veterinários quanto à endocanabinologia. Precisamos de mais cursos especializados e incentivos para que os profissionais se aprofundem nesse tema”, avalia Campagnone.
A inclusão de disciplinas sobre endocanabinologia nos cursos de graduação e pós-graduação, bem como, a oferta de programas de educação continuada, são importantes para garantir que os profissionais estejam preparados para utilizar essa abordagem terapêutica de forma segura e eficaz.
Como buscar qualificação?
Para os médicos-veterinários interessados em atuar na área, já existem cursos de extensão e pós-graduação em Endocanabinologia Veterinária, além de eventos e congressos que discutem as melhores práticas no uso de canabinoides.
A troca de experiências entre profissionais que já utilizam esses tratamentos em animais também é importante. Grupos de estudos, associações especializadas e instituições acadêmicas podem ser aliados na construção de um conhecimento mais sólido sobre o tema.
O que esperar no futuro?
Com a regulamentação, a Medicina Veterinária entra em uma nova fase terapêutica. A adoção da endocanabinologia representa um passo importante na busca por alternativas eficazes e seguras para o tratamento de diversas condições, garantindo bem-estar e qualidade de vida aos animais.
O futuro da Medicina Veterinária passa pela inovação e pelo compromisso com a ciência. A regulamentação dos canabinoides é apenas o começo de um caminho que promete transformar a forma como cuidamos dos animais, proporcionando uma nova área da perspectiva de tratamentos mais humanizados e eficazes.
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