Em novembro de 2025, o Brasil, na cidade de Belém, se transformará no centro das atenções mundiais. Sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30) significa abrir as portas da Amazônia para chefes de Estado, cientistas, organizações sociais e lideranças de todos os continentes. É também colocar em evidência um território que concentra a maior floresta tropical do planeta, responsável por regular o clima, abrigar povos originários e guardar uma biodiversidade única.
No entanto, a COP 30 não será apenas uma vitrine de discursos. Ela carregará o peso da urgência e das demandas climáticas. O mundo chega a Belém com o alerta sobre eventos extremos, secas, enchentes e altos índices de temperatura. Nesse contexto, discutir o futuro, significa enxergar além das negociações diplomáticas: significa conectar ciência, inovação, pesquisa, comunidades e práticas que já acontecem na base da floresta.
É nesse cenário que também ganham destaque a Medicina Veterinária e a Zootecnia. Muito além da imagem tradicional ligada somente aos animais de companhia ou grandes rebanhos, essas profissões se mostram protagonistas, algumas vezes silenciosas, na construção da sustentabilidade. Elas se integram ao conceito de Saúde Única, que reconhece que a saúde humana, animal e ambiental não são dimensões separadas, mas engrenagens de um mesmo sistema.
A saúde é uma só
A pandemia de Covid-19 sem dúvidas foi um alerta global. As chamadas zoonoses não respeitaram fronteiras. Desmatamentos, queimadas e a expansão desordenada da fronteira agrícola aumentam o contato entre animais silvestres, domésticos e seres humanos. Um vírus pode, rapidamente, chegar às cidades. Nesse ponto, o papel do médico-veterinário é vital: ele atua na vigilância, no diagnóstico, na prevenção e no controle dessas doenças, protegendo populações inteiras.
Já o zootecnista contribui de outra forma significativa: ao garantir que a produção de alimentos seja eficiente e sustentável. Ele auxilia as dietas e aprimora genética dos animais, otimiza sistemas de criação e busca alternativas que diminuam a emissão de gases de efeito estufa. Cada ajuste em uma fazenda pode representar menos pressão sobre a floresta e menos risco de novas doenças emergirem.
Para João Vieira, presidente da Comissão Nacional de Meio Ambiente do CFMV, “o médico-veterinário é, na sua essência, um profissional da saúde. Saúde animal garante a saúde humana. Saúde ambiental garante saúde humana e animal. Elas são indissociáveis. Considerando-se que 60% das doenças emergentes e reemergentes, na atualidade, são de origem zoonóticas, não é possível prescindir do médico-veterinário na formulação e execução de políticas públicas, tanto ambientais quanto sanitárias”, explica João.
Sustentabilidade que começa no campo
Quando se fala em mudanças climáticas, é impossível também não pensar na pecuária. Mas reduzir essa equação a vilã seria injusto e simplista. É justamente nesse setor que estão algumas das maiores oportunidades de mitigação.
“O agronegócio brasileiro já é observado e será mais ainda durante a COP 30, especialmente no que diz respeito à sustentabilidade. A contribuição dos médicos-veterinários e zootecnistas é histórica, e foi institucionalizada há mais de 50 anos. Os índices de produtividade com sustentabilidade são graças às ações de políticas públicas extensionistas que promoveram nossa agricultura e pecuária, numa época remota nos campos, sem estrutura de estradas, pontes, energia e comunicação. Foram os médicos-veterinários e zootecnistas da extensão rural que promoveram as primeiras mudanças nos índices produtivos e sanitários com cultura conservacionista. A produção que conhecemos hoje foi fruto da bravura e das pesquisas desses profissionais em um tempo de muitas dificuldades, aliados a produtores rurais trabalhadores”, lembra o médico-veterinário, Valney Correa, presidente da Comissão Nacional do Agronegócio do CFMV.
Técnicas como a integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), o uso de pastagens recuperadas e a produção baseada em sistemas regenerativos são áreas em que médicos-veterinários e zootecnistas atuam para transformar o setor em aliado da sustentabilidade.
“O impacto da pecuária pode ser positivo ou negativo, dependendo do sistema. Na digestão da celulose há liberação de metano, que em 10 anos se decompõe em CO₂ absorvido pelas pastagens (ciclo do carbono). Gado criado a campo, em sistemas orgânicos e agroecológicos, não causa aquecimento. Já o gado em confinamento, alimentado com ração e sem acesso a pastagens, apenas libera gases e ainda gera emissões ligadas à ração e dejetos”, destaca Angela Escosteguy, presidente da Comissão Nacional de Pecuária Orgânica e Agroecologia do CFMV.
“A pecuária orgânica, além disso, pode melhorar a estrutura e a fertilidade do solo, viabiliza a vida silvestre, polinizadores e a infiltração de água. Médicos-veterinários e zootecnistas têm papel crucial na produção de carne, leite e ovos com técnicas orgânicas, trazendo benefícios ecossistêmicos”, completa.
Para Angela, a COP 30 será uma oportunidade única para o Brasil mostrar ao mundo seus avanços. “O Brasil tem condições ideais para a pecuária orgânica e agroecológica: diversidade de biomas, terras férteis, água em abundância, temperatura amena, mão de obra rural adaptada e clima propício à criação de várias espécies animais. Essa diversidade permite segurança alimentar, diversificação da produção, empregos, renda e manutenção dos biomas. Há vários exemplos: carne e leite (Sul, Sudeste e Centro-Oeste), mel e pescado (Nordeste) e ovos (todas as regiões). Esses modelos conciliam produtividade com responsabilidade ambiental, social e bem-estar animal, mostrando o potencial do Brasil na produção sustentável de alimentos de alta qualidade nutricional. ”
O médico-veterinário, João Vieira, reforça ainda o aspecto ambiental e responsabilidade coletiva dos profissionais.
“Nossa formação superior nos dá plena consciência sobre as condições ambientais necessárias para uma vida saudável nesse planeta. Como profissionais temos o privilégio e a responsabilidade de trabalharmos muito próximo à natureza e, com isso, nossa responsabilidade aumenta, pois a sustentabilidade ambiental e econômica de uma propriedade agropecuária está diretamente relacionada com o uso adequado dos recursos naturais que viabilizam a produção de alimentos, animal e vegetal, saudáveis e abundantes.”
Ele acrescenta que a COP 30 também será espaço de debate sobre os contrastes do setor: “Na COP 30, a abordagem da produção agropecuária do Brasil será intensa, pois, assim como temos setores produtivos com grandes investimentos em sustentabilidade e até como um diferencial para seus produtos, temos também atividades predatórias de recursos naturais extremamente perniciosas a bens tão valiosos como solo e água. E não podemos desprezar a concorrência desleal de nações que destruíram totalmente seus recursos naturais. Nesse quesito também aumenta nossa responsabilidade, pois conseguimos propor atividades econômicas com sustentabilidade ambiental e social”, analisa.
Para o zootecnista Rodrigo Garófallo, integrante da Comissão Nacional de Educação em Zootecnia do CFMV, a COP 30 será uma vitrine para mostrar como a ciência pode transformar o campo em aliado do clima.
“A Zootecnia desempenha um papel fundamental na construção de um futuro sustentável, especialmente no contexto da COP 30 com as mudanças climáticas, onde o Brasil terá a oportunidade de demonstrar seu protagonismo ambiental. Nossa ciência e prática estão intrinsecamente ligadas à otimização dos sistemas de produção animal, buscando sempre a eficiência no uso de recursos e a minimização de impactos ambientais. Contribuímos significativamente para o desenvolvimento e aplicação de tecnologias que promovem a intensificação sustentável.”
Ele complementa: “A atuação dos zootecnistas é relevante para tecer a complexa rede de conexão entre a produção de alimentos, a proteção da Amazônia e os compromissos climáticos globais da COP 30. Ao implementar sistemas como a ILPF, os profissionais trabalham para recuperar pastagens degradadas, reduzir a pressão por novas aberturas de áreas e transformar terras de baixa produtividade em sistemas integrados que produzem grãos, carne e madeira. Isso é vital para a conservação dos biomas, pois diminui o desmatamento. Também atuam na pesquisa e aplicação de estratégias para mitigar as emissões de gases de efeito estufa, como a seleção genética de animais mais eficientes, o manejo nutricional para reduzir a emissão de metano e a gestão de dejetos para produção de biogás”, analisa Rodrigo Garófallo.
O resultado não é apenas menor emissão de carbono. É também alimento mais seguro, mais acessível e produzido com responsabilidade ambiental. A ciência aplicada no manejo animal por médicos-veterinários e zootecnistas têm impacto direto na mesa do consumidor e no equilíbrio climático global.
Povos da floresta: guardiões da vida
Na Amazônia, ciência e tradição se encontram. Povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas já vivem, há séculos, em harmonia com o bioma. Suas práticas de manejo, coleta e pesca inspiram modelos de sustentabilidade que o mundo começa a valorizar.
É nesse diálogo que médicos-veterinários podem ampliar sua atuação. Levar saúde animal às comunidades significa reduzir riscos de zoonoses e fortalecer a segurança dos alimentos. Apoiar a criação de pequenos rebanhos, orientar no manejo de peixes ou no cuidado com animais de tração é oferecer condições de vida dignas e fortalecer a permanência dessas populações em seus territórios. Além de tantas outras áreas de atuação.
Na prática, isso se traduz em proteção à floresta. Quanto mais fortalecidas estão as comunidades locais, menor a pressão por atividades predatórias como o desmatamento ilegal e o garimpo, por exemplo. Cuidar de cães, gatos, galinhas ou peixes nas aldeias ribeirinhas não é apenas um ato técnico: é parte de uma estratégia global de preservação.
Biodiversidade em risco
O tráfico de animais silvestres, os incêndios florestais e o desmatamento
colocam em risco espécies fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas. Nesse contexto, a Medicina Veterinária desempenha papel fundamental. Profissionais especializados em fauna, por exemplo, resgatam animais feridos, reabilitam tartarugas, aves, primatas e grandes felinos, e buscam reintegrá-los à natureza.
Cada vida preservada é também uma vitória simbólica contra a perda de biodiversidade. Mais do que isso, é um ato de manutenção de um equilíbrio ecológico que sustenta a vida humana e a vida em suas diversas formas. Afinal, a biodiversidade é a base dos serviços ambientais, da purificação do ar à regulação das chuvas.
A COP 30 e o legado para o Brasil
Na COP 30, enquanto chefes de Estado debatem metas globais, a contribuição de médicos-veterinários e zootecnistas mostrará que a mudança começa no cotidiano, no dia a dia da sociedade. Da fazenda ao laboratório, das comunidades ao centro de resgate de fauna, do campo de pesquisa à mesa do consumidor, essas profissões estão no cerne de soluções que são necessárias e imediatas ao planeta.
Mais do que uma conferência, a COP 30 será uma oportunidade para mostrar ao mundo que a Amazônia não é apenas um patrimônio natural, mas um espaço vivo de ciência, fauna, flora, cultura e futuro. E que cuidar da floresta, dos animais e das pessoas é uma tarefa única, indivisível, urgente e coletiva.