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ARTIGO • SUPLEMENTO CIENTÍFICO • EDIÇÃO N° 97

Burnout e Saúde Mental do Médico-Veterinário Clínico de Minas Gerais

Burnout and Mental Health of Clinical Veterinarians in Minas Gerais

Bianca Stevanin Gresele 1; Marcelo Teixeira Paiva 2; Bruno Divino Rocha 3; Brenda Emily de Assis Tavares 4

A presente pesquisa investigou os principais fatores estressores para os médicos veterinários clínicos do estado de Minas Gerais. Para tanto, foi utilizado um questionário sociodemográfico e investigativo de fatores de estresse, e o Inventário de Síndrome de Burnout de Maslach. Foram coletados dados de 360 veterinários clínicos. Os resultados mostraram que a maioria 61,67% dos profissionais são jovens, majoritariamente mulheres, sem filhos, e lidam com altos níveis de insatisfação profissional 68,33%. A pesquisa indicou ainda que, 74,17% dos participantes não recomendariam medicina veterinária e que 87,78% já consideraram deixar a profissão. Além disso, os fatores estressores predominantes foram: o desgaste emocional gerado pelos atendimentos, a associação da medicina veterinária à caridade e o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Por fim, notou-se que a grande maioria dos veterinários clínicos não recebe qualquer suporte psicoterapêutico no local de trabalho e não recebeu algum tipo de capacitação durante sua formação para lidar com as demandas emocionais que envolvem a profissão. Conclui-se que é essencial a criação de programas de atenção à saúde mental voltados para esses profissionais, além de uma abordagem mais cuidadosa e aprofundada sobre o tema dentro do contexto da medicina veterinária.

Palavras-chave: Médico Veterinário; Saúde Mental; Burnout; Bem-Estar; Estresse.

A saúde mental dos médicos veterinários clínicos tem sido um tema de crescente interesse, dada a influência significativa que essa profissão exerce sobre o bem-estar psicológico desses profissionais (Silva, 2023). Estudos indicaram que a prática da medicina veterinária está associada a elevados níveis de estresse e a diversas condições adversas de saúde mental, como a síndrome de burnout e fadiga por compaixão (Lago, 2013 Tomasi et al., 2019; Barwaldt, 2020).

Esses profissionais frequentemente lidam com a perda de pacientes, a necessidade de comunicar más notícias e o desafio de equilibrar a vida pessoal e profissional. Esses fatores estressores são exacerbados pelo intenso envolvimento emocional necessário para prestar cuidados aos animais, bem como pela interação constante com clientes emocionalmente abalados. (Aguiar, 2023; Gresele, 2023; Volk, 2024).

No Brasil, especialmente em Minas Gerais, a questão ainda é pouco explorada, o que destaca a necessidade de uma investigação mais detalhada sobre os fatores estressores que fazem parte da rotina desses profissionais (Aguiar, 2023). Diante disso, o presente estudo buscou investigar a síndrome de burnout e os principais fatores estressores que afetam a saúde mental dos médicos veterinários clínicos de Minas Gerais, fornecendo dados que possam orientar intervenções e políticas de apoio a esses profissionais

Para tanto, a pesquisa adotou uma abordagem quantitativa, de caráter exploratório sequencial, utilizando um questionário sociodemográfico e o Inventário de Burnout de Maslach para avaliar a presença da síndrome de burnout e os fatores estressores entre os veterinários do estado. A coleta de dados foi conduzida com o apoio do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais (CRMV-MG) e contou com a orientação da Psicóloga e Professora Dra. Bianca Gresele, especializada em saúde mental na medicina veterinária.

 

Método 

Foi realizado um estudo observacional transversal baseado na busca ativa de dados através da aplicação de questionários semiestruturados em médicos veterinários que atuam na clínica médico-veterinária, no período de março de 2024 a maio de 2024. Os questionários foram aplicados através da plataforma eletrônica Kobotoolbox. A divulgação da pesquisa e busca por participantes foi realizada por mídias sociais e convite por endereços de e-mail cadastrados no CRMV-MG. A pesquisa foi previamente submetida à Plataforma Brasil e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o CAAE 77327124.8.0000.5155.

A pesquisa buscou avaliar a prevalência síndrome de burnout e fatores associados entre os médicos veterinários clínicos de Minas Gerais. Nesse sentido, foi calculada uma amostra considerando a população de médicos veterinários inscritos no CRMV-MG em atuação em 2023, o erro máximo aceitável de 5% e 95% de confiança. 

O questionário aplicado foi composto de 41 questões, relacionadas a informações sociodemográficas e possíveis fatores estressores e 22 questões do Inventário Síndrome de Burnout de Maslach. O estudo teve 22 itens destinados medir a dimensão psicológica do burnout. As questões foram do tipo Likert (1932) em que entrevistados são solicitados a avaliar cada item de acordo com a intensidade e frequência de sua experiência. Cada resposta possuía as seguintes opções: 1 (nunca), 2 (raramente), 3 (algumas vezes), 4 (frequentemente) e 5 (sempre). Três subescalas estão contidas dentro da medida de burnout: exaustão emocional, realização pessoal e despersonalização. A subescala de realização pessoal é pontuada no sentido oposto: uma pontuação alta em realização pessoal indica um baixo nível de burnout.

Previamente ao início das perguntas, foi informado aos participantes que não haveria vinculação das respostas ao seu respectivo nome e que os dados seriam utilizados para finalidade acadêmica. Desta forma, foram considerados somente os questionários com aceite do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 

Os questionários foram tratados, tabulados e foi realizada a análise descritiva das variáveis que incluiu a apresentação em termos de frequências relativas e absolutas para dados qualitativos e em termos de medias de posição e de dispersão (média, quartis e desvio padrão) para variáveis quantitativas contínuas, seguida da elaboração de gráficos e mapas temáticos. 

Foi avaliada a associação de variáveis sociodemográficas com as demais variáveis do estudo (fatores estressores, satisfação profissional, estado emocional, saúde mental, suporte psicoterapêutico no trabalho e práticas de saúde) pelo teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher (quando alguma das variáveis na tabela de contingência apresentava frequência igual ou inferior a 5). Para o teste foi considerado o nível de significância de 95% (α=0,05). Para os testes com valor p inferior ao definido, foi calculado a odds-ratio e respectivo intervalo de confiança de 95% entre as variáveis (Denis, 2021; Jewell, 2004).

Para as subescalas do MBI (exaustão emocional, realização pessoal e despersonalização), os dados foram avaliados quanto à normalidade da distribuição utilizando o teste de Shapiro-Wilk e métodos gráficos (gráfico de densidade, histograma e gráfico de quartil por quartil Q-Q) (Mishra et al., 2019).

Considerando a distribuição não normal dessas variáveis, as subescalas foram expressas pela mediana e intervalo interquartil e foram avaliadas quanto a diferença de medianas entre categorias das demais variáveis do estudo, nomeadamente: a) de perfil sociodemográfico; b) de perfil de atuação; c) de satisfação profissional; d) dos seis principais fatores estressores identificados no estudo; e, e) de saúde mental e práticas de saúde. Para a comparação de medianas aplicou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney (variáveis com duas categorias) e o teste de Kruskal-Wallis seguido da comparação pareada Wilcoxon (variáveis com mais de duas categorias) (Denis, 2021).

Todas as análises foram conduzidas na linguagem R utilizando os pacotes gráficos e estatísticos cartography, epitools, ggpubr, kableExtra, MASS, patchwork, readxl, sf, tidyverse e tmap (Aragon, 2004; Giraud, et al., 2016; Kassambara, 2023; Pebesma, 2018; Pebesma & Bivand, 2023; Pedersen, 2019; Tennekes, 2018; Venables & Ripley, 2002; Wickham et al., 2019; Zhu, 2024).

 

Resultados 

Quanto aos dados demográficos, observou pelo perfil dos respondentes uma maior participação de indivíduos com idades entre 25 e 34 anos 61,67%, do gênero feminino 78,61%. Em relação a raça ou etnia, majoritariamente, os entrevistados se declararam como brancos 64,17% e quanto ao estado civil, a maioria era solteira 43,33%. Além disso, 70,83% dos veterinários que responderam ao questionário, informaram não ter filhos.

Entre as mulheres, 67,14% dos respondentes apresentavam idade entre 25 e 34 anos, e, entre os homens, a maioria dos respondentes estavam na faixa etária entre 25 e 34 anos 41,56% e 35 e 44 anos 31,17%. Considerando que a faixa etária “65 anos ou mais” foi representada por uma única resposta, optou-se por agrupar as faixas etárias superiores (“55 a 64 anos” e “65 anos ou mais”) em uma única classe (“55 anos ou mais”).

Em relação ao número de filhos, 74,91% das mulheres afirmaram não ter filhos, enquanto, 55,84% dos homens apresentaram a mesma afirmação. Além disso, entre os respondentes que não estavam em um relacionamento amoroso, 83,80% (informaram que não possuíam filhos, enquanto 58,01% dos veterinários que estavam em um relacionamento informaram não ter filhos.

Foi observado que a maioria dos clínicos apresentam entre 0 e 5 anos de atuação na clínica veterinária 62,22%. Além disso, a maioria dos clínicos atuam em clínicas privadas independentes 51,94% ou como profissionais autônomos 38,06% prestando serviços em domicílio ou para outras clínicas ou propriedades rurais.

Os principais fatores de estresse identificados foram: desgaste emocional nos atendimentos 78,89%, associação da profissão à caridade 66,67%, perda de pacientes 64,17%, dificuldade em equilibrar vida pessoal e profissional 59,44%, lidar com clientes emocionalmente abalados 55,00% e realização de eutanásia 53,06%. 

Com relação a esses dados, foi observada uma associação significativa entre o sexo e o desgaste emocional, com os homens sendo menos propensos a considerá-lo um fator estressante 95 em comparação às mulheres. Veterinários com filhos mostraram maior propensão a considerar estressantes o atendimento a clientes emocionais e a comunicação de más notícias. No entanto, esses profissionais foram menos impactados pelos plantões, possivelmente devido à menor frequência com que os realizam. A Tabela I revela o nível de insatisfação desses profissionais em função desses estressores.

Tabela I. Perfil de satisfação profissional dos médicos veterinários que participaram da pesquisa.

Característica

Classes

Freq. absoluta (N)

Freq. relativa (%)

Satisfação com a profissão

Não

246

68,33

 

Sim

114

31,67

Recomendaria a medicina veterinária para outros

Não

267

74,17

 

Sim

93

25,83

Já pensou em sair da medicina veterinária

Não

44

12,22

 

Sim

316

87,78

Qual a chance de deixar a veterinária nos próximos anos?

Nenhuma

25

6,94

 

Muito baixa

42

11,67

 

Baixa

51

14,17

 

Razoável

130

36,11

 

Alta

68

18,89

 

Muito alta

44

12,22

Legenda: Distribuição da satisfação profissional entre médicos veterinários participantes da pesquisa, incluindo a satisfação com a profissão, a recomendação da medicina veterinária para outros, o pensamento sobre deixar a profissão e a percepção sobre a chance de abandono nos próximos anos.

Os principais estados emocionais reportados pelos entrevistados foram: a) sem esperança 30%; b) agitado ou inquieto 19,17%; e, c) nervoso 15%. A maioria dos veterinários considerou que o estado emocional estava relacionado à profissão 90,28%. Quanto à temática de saúde mental e tratamento, 98,89% dos veterinários o considera um tema importante, sendo que a maioria deles já realizou psicoterapia 68,89% e fez uso de medicamentos para o tratamento de uma doença mental 57,78%.

Referente à temática de saúde mental e tratamento, 98,89% dos veterinários o considera um tema importante, sendo que a maioria deles já realizou psicoterapia 68,89% e fez uso de medicamentos para o tratamento de uma doença mental 57,78%. 

Tabela II. Perfil de estado emocional dos médicos veterinários que participaram da pesquisa.

Característica

Classes

Freq. absoluta (N)

Freq. relativa (%)

IC 95%

Estado emocional nos últimos 30 dias

Alegre

15

4,17

2,1 – 6,23

 

De bom humor

36

10,00

6,9 – 13,1

 

Nervoso

54

15,00

11,31 – 18,69

 

Sem esperança

108

30,00

25,27 – 34,73

 

Tão triste que nada poderia me animar

20

5,56

3,19 – 7,92

 

Inútil

20

5,56

3,19 – 7,92

 

Agitado ou inquieto

69

19,17

15,1 – 23,23

 

Que tudo foi um esforço

38

10,56

7,38 – 13,73

Seu estado emocional atual está relacionado a medicina veterinária?

Não

35

9,72

6,66 – 12,78

 

Sim

325

90,28

87,22 – 93,34

Considera importante o tema saúde mental

Não

4

1,11

0,03 – 2,19

 

Sim

356

98,89

97,81 – 99,97

Realiza ou já realizou psicoterapia

Não

112

31,11

26,33 – 35,89

 

Sim

248

68,89

64,11 – 73,67

Faz ou fez uso de medicamento para tratamento de doença mental

Não

152

42,22

37,12 – 47,32

 

Sim

208

57,78

52,68 – 62,88

Quanto ao apoio psicoterapêutico no trabalho (Tabela III), a maioria dos veterinários não recebe suporte no local de trabalho e nem há psicólogos disponíveis para o apoio à equipe e clientes. Sobre a saúde mental na formação profissional, 94,44% dos veterinários não tiveram uma capacitação durante a formação veterinária para lidar com as demandas emocionais associadas à prática da medicina veterinária.

Tabela III. Perfil de suporte psicoterápico no trabalho e saúde mental na formação profissional dos médicos veterinários que participaram da pesquisa.

Característica

Classes

Freq. absoluta (N)

Freq. relativa (%)

Local de trabalho oferece suporte psicoterapêutico

Sim

16

4,44

 

Não

344

95,56

Há um psicólogo no trabalho para o apoio dos clientes e equipe

Sim

10

2,78

 

Não

350

97,22

Capacitação durante a formação para lidar com as demandas emocionais que envolve a prática do médico veterinário

Sim

20

5,56

 

Não

340

94,44

Relativo às práticas de saúde dos veterinários, 54,72% relataram praticar atividade física regularmente, sem diferença significativa entre os grupos. A maioria apontou insatisfação com a qualidade do sono 60,83% e com o equilíbrio entre vida profissional e pessoal 76,11%, mas 59,17% consideraram ter uma alimentação predominantemente saudável. Houve associação significativa entre ter filhos e práticas de saúde: veterinários com filhos foram mais propensos a não realizar atividades físicas regulares. Contudo, ter filhos se associou a uma percepção mais equilibrada entre vida pessoal e profissional.

As pontuações observadas nas subescalas do MBI podem ser verificadas na tabela abaixo.

Tabela IV. Medidas de posição das pontuações nas subescalas de MBI.

Subescala

Min

Max

Média

Desvio Padrão

Percentil 25%

Mediana

Percentil 75%

Exaustão Emocional

10

45

32,96

7,10

28

34

38

Despersonalização

5

23

13,33

2,78

12

13

15

Realização Pessoal

15

39

27,08

3,91

25

27

30

Quanto a escala MBI na subsescala de exaustão emocional, as mulheres foram a que apresentaram maior mediana, ou seja, possuem as maiores taxas de exaustão emocional. Com relação a idade e tempo de atuação, veterinários com 55 anos ou mais apresentaram as menores taxas nesta subescala, seguido da faixa etária de 45 a 54 anos, indicando que as taxas de exaustão emocional são menores conforme a idade do veterinário é maior. Além disso, veterinários com mais anos de atuação (16 anos ou mais) em comparação às demais categorias, foi o grupo com menor mediana nessa subescala.

Veterinários que realizam plantão e trabalham aos fins de semana apresentaram mediana significativamente maior na subescala de exaustão emocional. Assim como, os profissionais com as maiores cargas horárias de trabalho semanal (40 horas ou mais) apresentaram medianas significativamente maiores comparadas aos demais.

Quanto a insatisfação profissional, médicos veterinários insatisfeitos com a profissão e aqueles que já consideraram deixá-la apresentaram taxas significativamente mais altas na subescala de exaustão emocional. A tendência foi de aumento da chance de desistir conforme a exaustão emocional aumentava.

Por fim, os profissionais que percebem um bom equilíbrio entre vida profissional e pessoal apresentaram medianas mais altas de realização pessoal, enquanto aqueles que fizeram ou fazem psicoterapia apresentaram medianas mais baixas, o que pode refletir o tratamento de condições subjacentes.

 

Discussão 

Os achados deste estudo revelaram fatores de estresse significativos e suas implicações na saúde mental dos médicos veterinários clínicos em Minas Gerais. Os dados coletados indicaram uma prevalência de mulheres, em sua maioria brancas, com idades entre 25 e 34 anos e solteiras. As mulheres enfrentam, além das demandas da profissão, uma carga mental adicional devido a responsabilidades domésticas e familiares. A falta de reconhecimento profissional, especialmente pelo gênero, é um fator significativo que pode contribuir para o aumento do risco de burnout (Byron, 2005; Gresele, 2023).

As mulheres demonstraram uma maior tendência a considerar diversos fatores como estressores, apresentando níveis mais elevados de exaustão emocional e menores níveis de realização pessoal em comparação aos homens. Essa disparidade pode estar relacionada às diferentes expectativas sociais e profissionais impostas sobre as mulheres, bem como à carga mental adicional frequentemente enfrentada por elas.

A pesquisa revelou que a exaustão emocional devido aos atendimentos é o principal fator de estresse, com 78,89% dos veterinários relatando esse problema. Esses dados reforçam o que Scholz (2018) revelou em sua pesquisa, ou seja, que dentre os principais estressores está a relação tutor e veterinário, pois a atenção as necessidades clínicas dos animais deve ser combinada com a habilidade de gerenciar eficazmente as emoções de seus responsáveis. Frequentemente esse desgaste está relacionado a lidar com as demandas emocionais, às altas expectativas e ao desejo de soluções rápidas e de baixo custo para os problemas de saúde de seus animais.

Com relação a perda de pacientes, 64,17% dos profissionais responderam que é um fator de estresse na profissão, especialmente quando envolve o atendimento a clientes emocionalmente abalados 55%. Destaca-se que a graduação em veterinária frequentemente não prepara adequadamente os profissionais para lidar com essas situações, com 94,44% dos participantes indicando essa deficiência.

Isso ressalta a necessidade de suporte psicoterapêutico e do preparo técnico para lidar com essas demandas emocionais desde o início da formação. Sem o suporte adequado, os veterinários podem experimentar sentimentos de fracasso e exaustão decorrentes do desgaste excessivo. Além disso, as dificuldades na comunicação de diagnósticos e tratamentos, bem como a pressão emocional envolvida em situações de perda ou doença grave dos animais, são desafios que esses profissionais enfrentam rotineiramente. Lidar com doenças terminais e óbitos, incluindo a eutanásia, exige preparo e resiliência da equipe veterinária, especialmente ao interagir com tutores que sofrem com a perda do animal (Freire, 2023; Leite, 2023).

Destaca-se que a associação da medicina veterinária à caridade é outro fator 66,67% que merece atenção na discussão. Muitos profissionais sentem uma pressão significativa para oferecer serviços a baixo custo, devido à percepção pública de que seu trabalho deve ser um ato de caridade. Essa expectativa pode gerar um conflito entre a necessidade de sustentar financeiramente suas práticas e o desejo de ajudar os animais e suas famílias. Essa percepção de caridade pode levar a um desgaste emocional e financeiro substancial. Além disso, a ideia de que a medicina veterinária deve ser uma prática caritativa pode desvalorizar a profissão.

A falta de reconhecimento e valorização da profissão, associada à caridade 66,67%, resulta em insatisfação e desmotivação, com 68% dos veterinários insatisfeitos, 74% não recomendando a profissão e 88% considerando abandoná-la. A sobrecarga de trabalho e o desequilíbrio entre vida pessoal e profissional aumentam o risco de estresse, ansiedade e burnout (Monteiro, 2023; Melo et al., 2022). Esse dilema aumenta o estresse e pode contribuir para o desenvolvimento da síndrome de burnout (Sakata, 2024).

O equilíbrio entre vida profissional e pessoal é um fator crítico 59,44% para a saúde mental dos veterinários. Esse fator estressor é um dos que mais se destaca nas pesquisas realizadas no Brasil (Haidar, 2023; Gresele, 2023), e corrobora com o que outras pesquisas concluíram: cargas horárias excessivas e desequilíbrio entre vida pessoal e profissional é um fator constante na vida do médico veterinário (Meehan; Bradley, 2007; Silva, 2013; Meehan, 2014; Gouveia et al., 2017; Tomasi et al., 2019; Barwaldt, 2020; Foote, 2020).

De acordo com Gouveia et al. (2017), a baixa qualidade de sono 60,83% é um dos fatores que contribuem para exaustão, fadiga e pressão profissional.  Além disso, o estudo indicou ainda que plantões, trabalho aos fins de semana e feriados, além de maiores cargas de trabalho, aumentam significativamente a exaustão emocional. Isso é evidenciado pela baixa qualidade do sono relatada por 60,83% dos veterinários, que enfrentam sobrecarga de tarefas, ansiedade e dificuldades no equilíbrio entre vida pessoal e profissional

É primordial olhar para essa temática e compreender a significância desses fatores estressores para a área, pois acarretam implicações relevantes tanto no tocante ao bem-estar individual quanto à excelência dos serviços oferecidos aos animais e a seus respectivos responsáveis.

Quanto ao tema saúde mental, embora 68,89% dos veterinários já tenham feito psicoterapia e 57,78% utilizem medicamentos para tratar doenças mentais, mais de 90% não recebem suporte psicoterapêutico no local de trabalho, e 94,44% não foram preparados para lidar com demandas emocionais durante a graduação. Isso revela uma lacuna significativa no apoio institucional e educacional, conforme outros estudos já ressaltaram (Wolk, 2022; Gresele, 2023).

A insatisfação e a desmotivação são refletidas na não recomendação da profissão 74,17% e na consideração de abandono da carreira 87,78%. Abordar as taxas altas de insatisfação e desmotivação na medicina veterinária não é apenas uma responsabilidade moral, mas também uma necessidade para garantir a saúde mental dos veterinários. Esse déficit é evidenciado ao avaliar o estado emocional dos veterinários que se encontram sem esperança 30%, agitados ou inquietos 19,17% e nervosos 15%. Além disso, essas taxas altas de insatisfação e de não recomendação da profissão corrobora os resultados das pesquisas realizadas pela Merck Animal Health (2022) e com a pesquisa realizada no Brasil pela MSD (Haidar, 2023).

Os resultados dessa pesquisa mostraram que a insatisfação com a medicina veterinária foi identificada como um fator significativo associado a níveis mais elevados exaustão emocional. Diante disso, constatou- se na presente pesquisa que a insatisfação no trabalho pode ser considerado um fator de risco para o burnout.

O estudo conclui que a exaustão emocional, a sobrecarga de trabalho, a falta de reconhecimento e o estigma da medicina veterinária como prática caritativa são fatores-chave no estresse dos veterinários. Assim como, a ausência de suporte psicoterapêutico e a falta de capacitação para lidar com demandas emocionais durante a graduação agravam esse quadro. A crescente insatisfação e a consideração de abandonar a profissão reforçam a necessidade de mudanças estruturais para promover a saúde mental e o bem-estar dos profissionais.

 

Considerações finais 

A partir dos resultados, a pesquisa evidenciou a necessidade de intervenções para melhorar a saúde mental dos médicos veterinários clínicos em Minas Gerais. Os resultados destacaram a relevância de estratégias multifacetadas que abordem os diversos fatores estressores identificados. Essas estratégias devem incluir principalmente a capacitação emocional para lidar com as exigências psicológicas da profissão, assim como, programas de suporte a serem oferecidos para a classe.

Políticas que promovam um equilíbrio saudável entre a vida pessoal e profissional são igualmente essenciais. Medidas que incentivem o autocuidado, como a prática regular de atividades físicas e a garantia de tempo para hobbies e descanso, podem reduzir significativamente os níveis de exaustão emocional. Ademais, é crucial implementar políticas de reconhecimento e valorização profissional, combatendo a desvalorização percebida na profissão, especialmente no que se refere ao trabalho feminino na veterinária.

Essas intervenções não apenas beneficiam os profissionais individualmente, mas também têm o potencial de melhorar a qualidade do atendimento prestado aos pacientes animais e aumentar a satisfação dos clientes. A redução da exaustão emocional e o aumento da realização pessoal dos veterinários podem resultar em uma prática veterinária mais saudável e eficaz, diminuindo o risco de burnout e abandono da carreira.

Além disso, a criação de um ambiente de trabalho que ofereça suporte psicossocial, juntamente com a educação continuada sobre gestão emocional, pode ajudar no desenvolvimento da resiliência dos médicos veterinários. Isso é particularmente importante em um contexto em que as demandas emocionais são tão intensas e constantes.

Portanto, as instituições de ensino e as organizações profissionais devem atuar de forma proativa na implementação dessas medidas, garantindo que a saúde mental dos veterinários seja priorizada e que esses profissionais possam exercer sua vocação de maneira sustentável e gratificante. A continuidade de pesquisas nessa área é igualmente importante para monitorar a eficácia dessas intervenções e adaptar as estratégias às necessidades emergentes da profissão.

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Autores

BIANCA STEVANIN GRESELE 1
Doutorado em Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil.
Email: biancastevanin@hotmail.com
ORCID: 0000-0003-4227-5232

MARCELO TEIXEIRA PAIVA 2
Programa de Residência Integrada em Medicina Veterinária da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
Email: marcelo_thelin@hotmail.com
ORCID: 0000-0001-6334-073X

BRUNO DIVINO ROCHA 3
Doutorado em Ciência Animal. Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Email: brunodivino@gmail.com
ORCID: 0000-0003-3812-5987

BRENDA EMILY DE ASSIS TAVARES 4  
Graduanda de Medicina Veterinária na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Betim, MG, Brasil.
Email: brendaemilyassis@gotmail.com
ORCID: 0009-0007-4414-0223

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