Skip to content
Menu
Menu

ARTIGO • SUPLEMENTO CIENTÍFICO • EDIÇÃO N° 96

A abordagem de más notícias na faculdade de Medicina Veterinária sob a ótica dos discentes

Fabrine Capobiango Slaibi; Tatiana Borges de Carvalho e Adriano França da Cunha

Após o curso de medicina veterinária, é necessário a comunicação de más notícias durante a vida profissional. Atualmente, os animais de companhia viraram membros das famílias e, por esse motivo, comunicar uma doença incurável ou um falecimento não é algo simples. É de grande importância um preparo do profissional veterinário para tal abordagem. Essa pesquisa teve como objetivo sinalizar a relevância desse tema na graduação e, por meio de um questionário, foi avaliado a preparação dos alunos durante o curso, de acordo com a visão dos mesmos. Os entrevistados são alunos de todos os períodos do curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário de Viçosa, onde 55% responderam não receber apoio e instrução da instituição para abordar tais notícias.

Palavras-chave: Comunicação. Responsabilidade. Multidisciplinaridade.

INTRODUÇÃO

O termo “má notícia” designa qualquer informação transmitida ao paciente ou a seus familiares que implique, direta ou indiretamente, alguma alteração negativa na vida destes. Por ser uma tarefa tão estressante, muitos médicos a evitam ou a realizam de maneira inadequada. Esse fato traz inúmeras consequências negativas para o paciente e seus familiares. (Lino et al., 2011). 

Más notícias são dadas o tempo todo na medicina humana, mas também na medicina veterinária. Atualmente, os animais de estimação viraram parte da família, sendo considerados filhos de muitos casais. É necessário um preparo para a condução da má notícia, visando à saúde emocional do tutor que está à mercê da forma que é abordado o falecimento do seu animal ou mesmo o diagnóstico de uma doença sem cura. Mas será que esse tema tão importante é pauta na faculdade de medicina veterinária, assim como na medicina humana?

Segundo Lesnau e Santos (2013), em uma pesquisa para verificar “Formação dos acadêmicos de medicina veterinária no processo de morte e morrer”, somente uma universidade, dentre 119 escolas brasileiras de medicina veterinária, apresentou no currículo uma disciplina de psicologia, porém não foi possível esclarecer e avaliar se continha conteúdos relacionados a um melhor preparo psicológico do futuro médico veterinário. O que é um ponto importante, pois na clínica esta habilidade é crucial, já que os médicos veterinários acabam se deparando com a perda de pacientes e o proprietário não tem um suporte para este momento de partida, pois os profissionais não possuem capacitação para tal (Silva e Medeiros, 2014).

Não é possível combater a morte, mas é possível conseguir dar a notícia da maneira menos dolorosa ao tutor, a fim de preservar o psicológico do mesmo. Hoje, perder um animal é perder um ente querido, e acaba sendo responsabilidade do veterinário amenizar o sofrimento dessa família.

A comunicação de más notícias na medicina veterinária é um tema delicado e muitas vezes difícil de ser abordado. É importante compreender que essas notícias podem ter grande impacto na vida dos tutores e até mesmo na equipe veterinária, afetando inclusive a saúde mental de ambos.

A abordagem de más notícias é uma habilidade essencial para médicos veterinários e deve ser desenvolvida durante a graduação do curso de medicina veterinária. É essencial que o discente compreenda como comunicar más notícias de maneira clara, empática e eficaz, estabelecendo uma relação de confiança entre o profissional e o tutor do animal.

O processo de aprendizado dessa habilidade pode ajudar a desenvolver a empatia, a sensibilidade e a ética necessárias para a prática da medicina veterinária. Assim, um projeto sobre a abordagem de más notícias na graduação do curso de medicina veterinária é de relevância para aprimorar a comunicação, contribuindo para a formação de profissionais mais humanizados, competentes e capazes de lidar com as dificuldades inerentes à profissão.

Este trabalho teve como objetivo a avaliação da abordagem do tema “comunicação de más notícias” durante a graduação, avaliando se os discentes acreditam estar preparados para abordar o assunto com os tutores durante a vida profissional.

METODOLOGIA

A coleta de dados foi conduzida no Centro Universitário de Viçosa – Univiçosa, como parte de um estudo de natureza observacional transversal envolvendo os alunos do curso de medicina veterinária. Os participantes responderam a um questionário elaborado com base no trabalho de Butler et al. (2002), projetado para coletar dados sobre a percepção dos alunos em relação à comunicação de más notícias, o treinamento em fornecer apoio emocional aos clientes e a percepção de seu papel no processo de luto, com garantia de anonimato para os entrevistados.

Por meio de um cálculo amostral, determinou-se a participação de 172 alunos, selecionados dentre os 463 matriculados no curso em 2023. O estudo foi conduzido entre os meses de maio e outubro de 2023 no campus do Centro Universitário de Viçosa – Univiçosa, com a participação final de 185 alunos, excedendo a meta inicial estabelecida.

O questionário (apêndice 1), de apenas 04 perguntas, indagou os alunos sobre a importância da formação no apoio emocional dos clientes, se estão recebendo instrução adequada sobre como efetivamente fornecer apoio emocional a um tutor e se gostariam de receber treinamento em métodos de como lidar com a dor dos clientes durante a perda ou doença de seu animal de companhia. Já na última pergunta, sob a percepção dos alunos, foi questionado qual papel do veterinário com os tutores que estão sofrendo.

A pesquisadora deixou claro aos alunos que era permitido pular perguntas do questionário, ou parar de respondê-lo a hora que desejarem, além da garantia de total liberdade aos que aceitaram responder a pesquisa, uma vez que foi voluntária a participação no projeto.

Após esclarecimentos sobre os objetivos da pesquisa e sobre a metodologia a ser utilizada, foi solicitado aos participantes que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

 O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da com Seres Humanos Sylvio Miguel e aprovado pelo mesmo, atendendo à Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que normatiza as pesquisas envolvendo seres humanos.

A participação na pesquisa pôde proporcionar ao aluno uma visão mais ampla e crítica sobre a prática veterinária, e a oportunidade de compartilhar suas perspectivas e desafios com outros estudantes e professores. Isso pode contribuir para uma maior conscientização sobre as necessidades e demandas dos estudantes, e para a melhoria da qualidade da formação oferecida pelas instituições de ensino.

Este estudo visou destacar questões de extrema importância, que certamente serão relevantes para todos os alunos após a graduação, considerando que a medicina veterinária é, em essência, uma forma de medicina, centrada na preservação da vida. No entanto, é importante reconhecer que nem sempre os resultados são positivos e que ocorrerão perdas de pacientes ao longo da carreira.

 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram distribuídos e respondidos um total de 185 questionários, superando a meta estabelecida e demonstrando um elevado engajamento dos alunos com a pesquisa. A amostra foi composta predominantemente por mulheres, representando 62% dos respondentes, enquanto 37% eram do sexo masculino e 1% identificou-se como outros, com idades variando de 18 a 47 anos.

Gráfico 3.1 - Formação no apoio emocional

Fonte: Elaborado pela autora (2024).
Fonte: Elaborado pela autora (2024).

Como evidenciado no Gráfico 1, 92% dos participantes da pesquisa reconhecem a importância da formação em apoio emocional como uma ferramenta fundamental para o profissional veterinário.

A ampla concordância reflete a importância crucial do suporte emocional na formação do médico veterinário. Dada a atual concepção dos animais como membros familiares, é de extrema importância que os serviços veterinários sejam prestados com qualidade, respeito e profissionalismo, garantindo a confiança do cliente no trabalho do profissional.

Gráfico 3.2 - Orientação pela instituição para que o futuro veterinário saiba dar suporte aos tutores

Fonte: Elaborado pela autora (2024).
Fonte: Elaborado pela autora (2024).

O Gráfico 2 revela que 55% dos entrevistados percebem que a Univiçosa não oferece orientação adequada aos alunos para fornecer apoio emocional aos tutores cujos animais de estimação estão doentes ou faleceram. Segundo Lloyd e Bor (2009), procura-se rastrear este tipo de informação, ou seja, se o proprietário entende a enfermidade do seu animal ou o que está acontecendo, há uma atenção maior que auxilia no processo de “parar, pensar e prever” situações, anteriormente à conversa com o proprietário, prevenindo dificuldades e/ ou surpresas, como não saber responder algumas questões do proprietário. Sendo assim, médicos veterinários graduam sem preparo emocional ou psicológico para lidarem com situações de luto dos proprietários dos seus pacientes, e este preparo é fundamental, porque os animais pacientes fazem parte de uma família, fazendo parte das emoções de onde pertencem (Lesnau e Santos, 2013). Na realidade, há sempre uma pessoa associada a cada animal – paciente. Portanto, a comunicação é inevitável e é uma das tarefas mais importantes no dia-a-dia de um veterinário (Adams e Frankel, 2007).

Existem diversos passos práticos e lógicos que os médicos veterinários podem seguir para noticiar uma má notícia, mas regras para este grande desafio da clínica não existem. Isto está diretamente relacionado ao bom senso e à experiência profissional e cada situação deve ser pensada e manejada de forma única. Mesmo sendo material de estudo em diversos cursos de medicina internacionais, o assunto é pouco citado ainda por docentes e discentes no Brasil (Duarte, 2009; Lino et al., 2011).

É fundamental que as instituições se comprometam com o bem-estar psicológico dos alunos, a fim de prepara-lo para fornecer suporte ao tutor quando precisar transmitir uma má notícia.

Gráfico 3.3 - Treinamento

Fonte: Elaborado pela autora (2024).
Fonte: Elaborado pela autora (2024).

Conforme demonstrado, 90% dos alunos expressaram o desejo de receber treinamento em métodos para lidar com o sofrimento dos clientes durante a perda ou doença de seus animais de estimação. Segundo Lesnau e Santos (2013), em uma pesquisa para verificar “Formação dos acadêmicos de medicina veterinária no processo de morte e morrer”, somente uma universidade, dentre 119 escolas brasileiras de medicina veterinária, apresentou no currículo uma disciplina de psicologia, porém não foi possível esclarecer e avaliar se continha conteúdos relacionados a um melhor preparo psicológico do futuro médico veterinário. O que é um ponto importante, pois na clínica esta habilidade é crucial, já que os médicos veterinários acabam se deparando com a perda de pacientes e o proprietário não tem um suporte para este momento de partida, pois os profissionais não possuem capacitação para tal (Silva e Medeiros, 2014).                

Um treinamento adequado é fundamental para prevenir situações desconfortáveis para os futuros veterinários, que necessitam do apoio institucional para lidar com as más notícias que inevitavelmente terão que transmitir ao longo de suas carreiras.  É relevante evitar que essas situações se tornem um obstáculo ou até mesmo uma razão para desistência da profissão, e ainda mais, para prevenir medidas drásticas como o suicídio, como observado anteriormente. A abordagem de tais notícias é uma tarefa delicada, mas igualmente essencial, e é inegável que se deve considerar ambos os lados.

3.4 Papel do Veterinário

Ao finalizar o questionário, os alunos foram solicitados a escolher apenas um papel que o veterinário desempenharia quando seus clientes estivessem enfrentando momentos de sofrimento. Os resultados indicaram que 45% dos alunos identificaram o papel do veterinário como um portal de informação, 32% como um apoio ou amigo para o cliente, 20% como um guia de referência e 3% como um terapeuta.

É evidente que uma formação adequada é de suma importância para a transmissão adequada de más notícias. No entanto, logo em seguida, com 32% de confirmação, os veterinários são vistos como amigos dos tutores e são considerados um suporte em situações difíceis. Deve-se ter em mente que a todo momento existe uma pessoa interligada ao animal que é paciente, sendo assim, é inevitável a comunicação, e esta é um dos encargos mais importantes diariamente a um veterinário (Adams e Frankel, 2007). Assim, é importante que estes profissionais, tendo em mente que todas as ações têm impacto nos seus clientes e nos profissionais à volta, entendam que é impraticável a clínica sem a comunicação e saber que toda comunicabilidade tem sua consequência (Santos, 2015).   

Portanto, a habilidade de comunicação na prática veterinária clínica, não é um dom, e sim uma consequência de um processo constante de aprendizado que qualquer médico veterinário deve realizar (Duarte, 2009).

CONCLUSÃO

Com base nos resultados desta pesquisa, é evidente que a faculdade de medicina veterinária em análise não oferece o suporte adequado para que os alunos possam lidar de forma eficaz com as más notícias inerentes à profissão e abordar essas situações com seus clientes sem comprometer seu bem-estar psicológico. A ausência significativa deste tema ao longo da graduação é claramente identificada e é essencial e indiscutível que seja incluído no currículo acadêmico.

O mercado pet está em constante crescimento, com um número crescente de pessoas optando por adquirir ou adotar animais de companhia. Além disso, cada vez mais indivíduos associam esses animais ao seu apoio emocional. Portanto, é crucial levantar essa questão, visando o bem-estar da população e a saúde mental tanto dos clientes quanto dos próprios veterinários. 

Referências

ADAMS, C. L.; FRANKEL, R.M. It May Be a Dog’s Life But the Relationship with Her Owners Is Also Key to Her Health and Well Being: Communication in Veterinary. Veterinary Clinics Small Animal Practice, v.37, p. 1 – 17, 2007.

BUTLER, C. MS., WILIAMS S. DVM., KOLL S. MA. Perceptions of fourth-year veterinary students regarding emotional support of clients in veterinary practice in the veterinary college curriculum. Journal of the American Veterinary Medical Association, Vol 221, No. 3, August 1, 2002. 

DUARTE, M. C. V. S; Comunicação na prática clínica veterinária de animais de companhia. Dissertação de Mestrado. Universidade Técnica de Lisboa, Faculdade de Medicina Veterinária, Lisboa, p.28 – 29. 2009.

LESNAU, G. G.; SANTOS, F. S. Formation of academic veterinary medicine in the process of death and dying. Bioscience Journal, v. 29, n. 2, p. 429 – 433, 2013.

LINO, C. A. et al. Uso do protocolo Spikes no ensino de habilidades em transmissão de más notícias. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, RJ, v. 35, n. 1, p. 52 – 57, jan./mar, 2011.

SHAW, J. R; LAGONI, L. End-of-live Communication in Veterinary Medicine: Delivering Bad News and Euthanasia Decision Making. Veterinary Clinics Small Animal Practice, v.37, p. 95 – 108, 2007.

SAMPAIO, I.B.M. Estatística aplicada à experimentação animal. 2ª Ed. Belo Horizonte: Fundação de Estudo e Pesquisa em Medicina Veterinária e Zootecnia, 2002. 265p.

SANTOS, V. M. S. Importância da comunicação na prática clínica veterinária. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária) – Universidade Lusófona de Humanidade e Tecnologias Faculdade de Medicina Veterinária. Lisboa 2015. 86p

SILVA, N. R.; MEDEIROS, M. Amor e perda: a importância de acompanhar proprietários de animais terminais. REVET – Revista Científica de Medicina Veterinária – FACIPLAC, Brasília, DF, v. 1, n. 1, 2014.

Autores

FABRINE CAPOBIANGO SLAIBI
Graduanda de Medicina Veterinária do nono período do Centro Universitário de Viçosa- Univiçosa

TATIANA BORGES DE CARVALHO
Médica Veterinária – orientadora

CRMV – MG 7030
Mestre em Medicina Veterinária – Universidade Federal de Viçosa (UFV)
Professora do Centro Universitário de Viçosa

ADRIANO FRANÇA DA CUNHA
Médico Veterinário – coorientador
CRMV – MG 10075
Doutor em Ciência Animal – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Professor do Centro Universitário de Viçosa

Pular para o conteúdo