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Ética Profissional: uma eterna construção

No universo das profissões regulamentadas, os Códigos de Ética se destacam como pilares fundamentais, orientando o comportamento e as práticas profissionais.

No universo das profissões regulamentadas, os Códigos de Ética se destacam como pilares fundamentais, orientando o comportamento e as práticas profissionais. Estes códigos estabelecem normas e padrões que regulam as atividades, definindo claramente os direitos e deveres de cada profissional, bem como, as suas interações com a sociedade. No âmbito da Medicina Veterinária, o Código de Ética do Médico-Veterinário, aprovado pela Resolução CFMV nº 1.138 de 2016, representa um guia fundamental que trata sobre as responsabilidades dos profissionais em relação aos animais, ao meio ambiente, à sociedade e aos pares de profissão.

No entanto, a realidade é que a crescente complexidade das demandas e expectativas, somadas ao aumento dos casos de infrações éticas, revela um cenário preocupante. Os dados indicam um aumento substancial no número de processos ético-profissionais (PEPs) envolvendo médicos-veterinários em diversas regiões do Brasil. Esse fenômeno não apenas macula a imagem da profissão, mas também coloca em risco a integridade moral dos profissionais e, consequentemente, a qualidade dos serviços prestados.

O Panorama dos Processos Ético-Profissionais

Conforme dados oficiais do CFMV, no período compreendido entre os anos de 2013 e 2023, os 27 CRMVs julgaram 4.251 processos ético-profissionais, cujos resultados foram:

  • 1.777 absolvições (42%)
  • 828 penas de advertência confidencial (19%)
  • 968 penas de censura confidencial (23%)
  • 477 penas de censura pública (11%)
  • 188 penas de suspensão do exercício profissional (4%)
  • 13 penas de cassação (0,4%), sendo 7 chanceladas pelo CFMV

 Ainda, quanto às áreas de atuação abrangidas em tais processos, extraem-se:

  • 2.164 referem-se a pequenos animais (51%)
  • 947 referem-se a responsabilidade técnica (22%)
  • 696 referem-se a situações diversas (não se enquadram nos demais itens) (16%)
  • 216 referem-se a saúde pública (5%)
  • 129 referem-se a grandes animais (3%)
  • 81 referem-se a inspeção de produtos de origem animal (2%)

Procedendo à uma análise dos dados compilados acima, perecebe-se claramente que as atividades relativas aos pequenos animais é a mais preocupante. Além dos 51% de PEPs serem diretamente ligados aos pequenos animais, devemos considerar qua a maioria dos 22% ligados aos responsáveis técnicos também são relativos aos animais de companhia. Entendemos que a prestação dos serviços especializados em animais de companhia precisa ser melhor estudada para identificação e combate às suas causas e consequências.

Outro aspecto a ser considerado é a quantidade total de condenações (58%), que poderiam ser evitadas caso os profissionais dedicassem a atenção necessária às normas do próprio Sistema.  Observa-se que muitas condenações decorrem do não seguimento, por parte dos profissionais, da legislação, fragilizando a defesa e expondo os mesmos a desfechos desfavoráveis. Ocorrem extremos, nos quais o profissional simplesmente ignora o processo, abrindo mão da própria defesa, achando, como se diz por aí: “isso não vai dar em nada”.

A elevada quantidade de processos ético-profissionais é um reflexo de problemas estruturais e comportamentais que precisam ser abordados. Entre as causas identificadas, destacam-se:

  1. Aumento da demanda e expectativas: o crescente número de animais de estimação e a evolução das expectativas dos tutores/responsáveis, elevam a pressão sobre os profissionais, tornando-os alvo de críticas mais frequentes e intensas.
  2. Qualidade dos serviços: com o aumento no número de cursos de Medicina Veterinária, a qualidade dos serviços prestados pode variar, o que contribui para a insatisfação dos clientes e o surgimento de queixas.
  3. Mudanças na comunicação: a popularização das redes sociais tem amplificado o impacto das reclamações, permitindo que opiniões, muitas vezes baseadas em sentimentos e não em fatos, se espalhem rapidamente e afetem a reputação dos profissionais.
  4. “Síndrome de Burnout”: o estresse e a pressão associados à profissão têm levado a um aumento nos casos de “burnout” entre médicos-veterinários, o que pode comprometer a qualidade do atendimento e aumentar a suscetibilidade a erros.

Medidas para a melhoria da profissão

Diante deste cenário, é fundamental que medidas efetivas sejam implementadas para reduzir a quantidade e a gravidade dos processos ético-profissionais. Entre as ações recomendadas estão:

  1. Fortalecimento da formação e capacitação – É essencial que os cursos de Medicina Veterinária ofereçam uma formação mais robusta e atualizada, com ênfase em práticas éticas e gestão de carreiras e crises, para preparar melhor os futuros profissionais para os desafios da profissão.
  2. Aprimoramento das normas e procedimentos – A Resolução nº 1.574, publicada pelo CFMV em 2023, estabelece a necessidade de supervisionar e monitorar a atividade judicante do Sistema CFMV/CRMVs. Essa norma é um passo importante para garantir que as decisões sejam tomadas de forma justa e eficiente, e para identificar e corrigir falhas nos processos.
  3. Educação e orientação contínua – promover programas contínuos de educação e orientação para médicos-veterinários sobre as normas e as melhores práticas pode ajudar a prevenir infrações e melhorar a qualidade dos serviços prestados.
  4. Apoio psicológico e gestão do estresse – oferecer suporte psicológico e estratégias de gestão do estresse podem ajudar a prevenir o “burnout” e garantir que os profissionais mantenham um alto padrão de atendimento.

A ética profissional é um aspecto muito importante para qualquer área de atuação, e na Medicina Veterinária, ela é ainda mais destacada pelo impacto direto na vida das pessoas, dos animais e no meio ambiente.  O aumento do número de processos ético-profissionais só evidencia a necessidade de uma revisão contínua das práticas, normas e formações na área.

À medida que avançamos, é essencial que tanto os profissionais quanto os órgãos reguladores trabalhem juntos para enfrentar os desafios e construir um ambiente de trabalho mais seguro e sustentável. A responsabilidade de manter altos padrões de ética e profissionalismo é compartilhada e deve ser continuamente reforçada por meio de educação, suporte e revisão de práticas.

O caminho para uma ética profissional sólida é uma construção contínua, e cada passo dado em direção a uma melhor compreensão e aplicação das normas, contribui para a consolidação de uma profissão mais respeitada e eficaz.

Pretende-se, nas próximas edições da Revista, o avanço sobre algumas das inconsistências já identificadas e, com isso, contribuir para o processo de aperfeiçoamento da atuação profissional e, por consequência, da própria responsabilização ético-disciplinar.

Conheça um pouco da história

O termo profissão, do latim professio, é a ação e o efeito de professar, exercer um ofício, uma ciência ou uma arte. Não coincidentemente, este termo se assemelha a professor, que é aquele que ensina alguém a exercer seu ofício. Por definição, profissão é uma ocupação laborativa, que requer conhecimentos e habilidades específicas, e que envolve algum tipo de remuneração. É um trabalho ou atividade especializada dentro da sociedade, geralmente exercida por um determinado profissional.

Algumas profissões, em razão do perigo de dano à coletividade ou de prejuízos diretos a direitos de terceiros, exigem qualificações específicas, as quais, segundo a Constituição Federal (art.5º, XIII), só podem ser estabelecidas em lei. Daí a existência de profissões regulamentadas e, quanto a estas, algumas ainda contam com a existência dos Conselhos de Fiscalização do Exercício Profissional, que são entidades públicas específicas (sob a forma de autarquias) voltadas à inscrição, disciplina e fiscalização das respectivas profissões.

 Medicina veterinária

Existem relatos e documentos históricos que mostram que a Medicina voltada aos animais já era praticada há 2.000 anos a.C., porém, a Medicina Veterinária moderna, organizada a partir de critérios científicos, só começou a se desenvolver com o surgimento da primeira escola de veterinária do mundo, em Lyon, na França, durante o reinado de Luiz XV, em 1761.

No Brasil o entusiasta das Ciências Agrárias D. Pedro II, que viajava pelo mundo garimpando novidades nas mais diferentes áreas do conhecimento, com o intuito de proporcionar desenvolvimento intelectual e econômico ao País, foi o precursor dos cursos de Medicina Veterinária. Em 1875, ele visitou a Escola Veterinária de Alfort, na França, e voltou com o desejo de criar uma entidade semelhante. Apesar de seu esforço, apenas no início do século 20, já na República, foram fundadas as duas primeiras instituições de Medicina Veterinária do país: a Escola de Veterinária do Exército, criada em 1910 e aberta em 17 de julho de 1914; e a Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, também criada em 1910, mas aberta apenas em 4 de julho de 1913; ambas na cidade do Rio de Janeiro – RJ.

Em 1933, por intermédio do Decreto nº 23.133, do então Presidente da República Getúlio Vargas, surge a primeira regulamentação da Medicina Veterinária no Brasil. O decreto representou um grande marco na evolução da profissão no País. Por mais de três décadas, foi ele que estabeleceu as condições e os campos de atuação para o exercício da Medicina Veterinária. Por esse motivo, a data de publicação do Decreto nº 23.133, 9 de setembro, foi escolhida para comemorar o Dia do Médico Veterinário no Brasil.

Posteriormente, mas só em 23/10/1968, procedeu-se à criação do Sistema Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária (Sistema CFMV/CRMVs), por meio da Lei nº 5.517/1968, que dispõe também sobre o exercício da profissão de médico veterinário no País. O Sistema CFMV/CRMVs foi estabelecido como autarquia federal, dotada de personalidade jurídica de direito público, adquirindo, então, autonomia técnica, administrativa e financeira. Conforme o Art. 8º da Lei 5.517/68, “O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) tem por finalidade, além da fiscalização do exercício profissional, orientar, supervisionar e disciplinar as atividades relativas à profissão de médico-veterinário em todo o território nacional, diretamente ou através dos Conselhos Regionais de Medicina Veterinária (CRMVs)”. Para tal, encontram-se no art. 16, das atribuições do CFMV, as alíneas “f” e “j”, que tratam, respectivamente, “expedir as resoluções que se tornarem necessárias à fiel interpretação e execução da presente Lei” e “organizar o Código de Deontologia Médico-Veterinária”.

Saiba mais sobre o assunto aqui

Marcelo Teixeira

CRMV-PE 1874 Médico-Veterinário Doutor em Células-tronco e terapia celular na Universidade do Texas (Texas A&M) | Mestre em em Cirurgia Veterinária | Professor adjunto da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Membro do Colégio Brasileiro de Cirurgia Veterinária. Membro da Academia Pernambucana de Medicina Veterinária. Professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Animal Tropical, UFRPE.
marcelo

Marcelo Teixeira

CRMV-PE 1874

Médico-veterinário
Doutor em Células-tronco e terapia celular na Universidade do Texas (Texas A&M) | Mestre em em Cirurgia Veterinária | Professor adjunto da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Membro do Colégio Brasileiro de Cirurgia Veterinária. Membro da Academia Pernambucana de Medicina Veterinária. Professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Animal Tropical, UFRPE.

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