Skip to content
Menu
Menu

Saúde mental dos médicos-veterinários: um olhar necessário

A saúde mental de médicos-veterinários e zootecnistas tem sido um tema de crescente relevância, especialmente diante dos desafios emocionais e profissionais que eles enfrentam diariamente

A saúde mental de médicos-veterinários e zootecnistas tem sido um tema de crescente relevância nos últimos anos, especialmente diante dos desafios emocionais e profissionais que eles enfrentam diariamente. Setembro Amarelo, por exemplo, o mês dedicado à prevenção do suicídio, é um dos momentos oportunos para ampliar a discussão sobre a saúde mental dessa categoria, que lida com situações de alto estresse, como a eutanásia de animais, cargas horárias extenuantes e a pressão emocional dos responsáveis pelos pacientes.

Um estudo conduzido pela Association of American Veterinary Medical Colleges (AAVMC), publicado em 2020 por Alvin R. Liu e Ingrid F. van Gelderen, revelou que estudantes de Medicina Veterinária em todo o mundo enfrentam altos níveis de problemas de saúde mental. A pesquisa revisou a literatura científica dos últimos cinco anos e destacou que esses estudantes apresentam índices preocupantes de depressão, estresse e esgotamento. Em uma amostra de 509 estudantes, 54% relataram já ter enfrentado problemas de saúde mental, enquanto 66,4% apresentavam sintomas de depressão leve a moderada. A revisão também analisou 161 estudos sobre intervenções voltadas à saúde mental de estudantes de Medicina Veterinária, dos quais apenas sete foram elegíveis para avaliação detalhada. As intervenções incluíram oficinas e cursos em grupo, além de estratégias individuais, todas com algum grau de eficácia para a melhoria da saúde mental dos participantes. No entanto, a ausência de grupos de controle e a falta de repetição dos estudos limitaram a validade externa dessas intervenções.

Quando comparados a estudantes de Medicina e Odontologia, os estudantes de Medicina Veterinária apresentam uma prevalência maior de problemas em relação a saúde mental. Enquanto em estudantes de Medicina e Odontologia os índices variaram entre 7% e 33%, entre os estudantes de Medicina Veterinária, esses números oscilaram entre 49% e 69%. Esses dados levantam uma reflexão sobre os fatores que agravam esses índices na Medicina Veterinária, como a carga acadêmica intensa, transições de fases de ensino, dificuldades financeiras, e a relação com os responsáveis e pacientes.

Em 2023, uma pesquisa conduzida no Brasil, coordenada pela psicóloga Bianca Gresele, revelou que 93% dos médicos-veterinários consideram o estresse um dos maiores desafios da profissão, e 74% afirmaram que a realização de eutanásias é um dos momentos mais difíceis da prática clínica. A pesquisa ouviu 1.993 médicos-veterinários de pequenos animais em todo o país e trouxe à tona a necessidade de discutir a saúde mental dessa categoria.

Ingrid Atayde, médica-veterinária e psicóloga, chefe do Setor de Comissões do CFMV e presidente da Comissão de Atenção à Saúde Mental dos Médicos-veterinários e Zootecnistas (Casm), comentou sobre o impacto do acúmulo de funções nas clínicas veterinárias, desde a administração do negócio até o cuidado com os pacientes, ressaltando que muitos profissionais negligenciam a própria saúde mental: “Além de cuidar da clínica, de estudar, das longas horas dos plantões, eles ainda têm que fazer toda a gestão da clínica, toda a gestão de pessoas”, afirma Ingrid. “Por vezes, esse médico-veterinário descuida da própria saúde, incluindo a mental”.

Outro dado preocupante da pesquisa é que 84% dos profissionais médicos-veterinários relataram sentir-se ansiosos, deprimidos ou irritados. A eutanásia, em particular, é uma grande fonte de desgaste emocional. Ingrid Atayde explicou que, embora haja um código de ética que orienta a realização desse procedimento, muitos profissionais enfrentam dilemas com os responsáveis que desejam a eutanásia por razões convenientes, como o custo do tratamento, e não por impossibilidade de oferecer qualidade de vida ao animal.


CRMV-RJ cria Comissão de Cuidados à Saúde Mental

Diante desses desafios, o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro (CRMV-RJ) criou em 2024 a Comissão de Cuidados à Saúde Mental, que tem como objetivo promover discussões e ações voltadas à saúde mental dos profissionais. A Comissão tem trabalhado ativamente para apoiar médicos-veterinários e zootecnistas, oferecendo ferramentas de suporte e divulgação de eventos que abordem a saúde mental.

Um grupo de WhatsApp também foi criado para que os profissionais possam interagir e compartilhar experiências, além de receberem informações sobre palestras e materiais de apoio.

A presidente da Comissão, Andrea Marinho Soares, explica que o objetivo é não só oferecer um espaço de acolhimento, mas também trazer soluções práticas para os problemas enfrentados no dia a dia.

“O CRMV-RJ, atento às necessidades de nossa classe e observando o crescente desânimo de alguns médicos-veterinários, exaustos ou frustrados, inicia esta Comissão na tentativa de auxiliar no cuidado da saúde mental de veterinários e zootecnistas. Estamos identificando situações que interferem diretamente no desempenho profissional e buscando formas de aliviar esse peso”, afirmou Andrea.

Entre as atividades da Comissão, estão previstas a realização de workshops, palestras e encontros voltados à discussão de temas como gestão do tempo, controle do estresse e promoção de uma melhor qualidade de vida. “Disponibilizaremos links, bibliografia de apoio e artigos de especialistas com orientações nestes tempos desafiadores, reunindo ferramentas eficazes que ajudem a manter o equilíbrio entre a vida pessoal e o sucesso profissional”, ressaltou a presidente da Comissão.

A pesquisa coordenada por Bianca Gresele mostrou que, embora 90% dos médicos-veterinários acreditem que a terapia ajudaria na qualidade de vida, 68% não fazem sessões de psicoterapia, seja por falta de acesso ou pelo custo. Além disso, ela destaca a necessidade de dados confiáveis para evitar a disseminação de informações equivocadas, como a de que os veterinários são a profissão com maior taxa de suicídio, o que não é comprovado por dados consistentes.

 O futuro da saúde mental na Medicina Veterinária

Olhando para o futuro, é fundamental que as instituições de ensino e os conselhos profissionais continuem a investir em estratégias para melhorar a saúde mental dos estudantes e profissionais da Medicina Veterinária e da Zootecnia. A criação de comissões, a realização de pesquisas e a promoção de debates sobre o tema são passos importantes para garantir que esses profissionais tenham o apoio necessário para lidar com as demandas da profissão.

Iniciativas como a Comissão de Cuidados à Saúde Mental do CRMV-RJ mostram que é possível criar espaços de apoio e diálogo, ajudando os profissionais a enfrentarem os desafios emocionais que acompanham a prática veterinária. Em tempos desafiadores, é essencial que médicos-veterinários e zootecnistas se sintam acolhidos e tenham acesso a recursos que promovam seu bem-estar e qualidade de vida.

Por Daniela Scaffo – Assessora de Comunicação do CRMV-RJ

Pular para o conteúdo